segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

PINTURA ACRILICA


Na sala vazia
o tempo veste de silêncio
as horas
e a flauta dos pássaros
expulsa a solidão
do alpendre.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

LIÇÃO DE NYDIA BONETTI


As palavras fragmentadas
( leves e incisivas)
se agrupam na linguagem
castiça dos versos
que se transformam em sementes
de emoção e voragem
na lavoura do cotidiano,
tercetos debulham espigas de haicais
na varanda de sonhos do poema
onde pássaros em gorjeios
vêm beber gotas de sol
na concha inconsútil das manhãs.

domingo, 19 de dezembro de 2010

UIVO


Uivo na noite veloz
como um lobo faminto.
Pejado de rugas e insônias
meu rosto luta feroz
contra a intolerância do tempo
que solapa minha arquitetrura
corporal.
Silente a noite abre seu casulo
de sombras
e o orvalho molha o silencio
das ruas,
apenas um rebanho de estrelas
ilumina as trevas do meu abísmo.

sábado, 18 de dezembro de 2010

MEMÓRIA

As cicatrizes do meu passado
estão incrustadas nas paredes frias
e pétreas desta velha casa,
longos corredores guardam ainda
passos de um tempo quase esquecido.
Nos quartos gastos de solidão
memórias pueris volateiam
no ar da infância distante,
na varanda sombria vultos
miragens de mim mesmo
parecem coalhar as horas
no instante crepuscular,
uma nevoa fria
embaçam meus olhos
e vejo como num sonho
na mesa posta de antigas refeições
fantasmas dos meus mortos
assentarem e comer
o alimento de seus silêncios

sábado, 27 de novembro de 2010

COUNTERPOINT


Regurgitate the words
the bitterness of their conjunctions
silent and deep in the allotment
the day the restless winds
bristle cilia in the afternoon.
The sun drunk birds
as streets and canopies
interpret the handwriting
my shadow.
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
CONTRAPONTO
As palavras regurgitam
o amargor de suas conjunções
e calam profundas na seara
do dia onde os ventos inquietos
arrepiam os cílios da tarde.
O sol embriaga os pássaros
enquanto ruas e marquises
interpretam a caligrafia
de minhas sombras.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

TWO POEMS FOR MY SHOES


1.
My shoes lead me
the peripheries of the world
and decipher the code of my steps
know all my shoes from me
the casts out my coming and going.
2.
With my shoes have
the world at my feet.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

LIÇÕES DE CARMEM PRESOTTO



Dois poemas de Carmem Presotto
( alvos de manhãs e luzes)
penetram nas fímbrias do outono desfolhado
enquanto os ventos, em redemoinhos)
sopram as folhas maceradas e caidas
que encarpetam o solo adusto da tarde.
Os versos da poeta inventam lagoas de sol
onde pássaros nômades e inquietos
vêm beber a força de seus vôos
para o recomeço de novos amanhãs.
E eu, absorto e embevecido,
debruçado na linha do horizonte
bebo na concha da tarde coplas
de sentimentos, paz, amor e poesia.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

PAISAGEM NOTURNA


A lua salpica de prata
as vestes talares da noite,
uma chuva fina e teimosa
açula os germes da angústia
numeral que edifica castelos
de silêncios nos dominios
deste quarto frio e insone.
Nas ruas o caos explode
em delírios na contra-mão
do tempo que modela
o barro das horas
enquanto lá em cima
( num céu acetinado )
a via-láctea se esparrama
entre pó e nevoa.

domingo, 14 de novembro de 2010

POSSIVEL POEMA EM FIM DE TARDE

O alpendre me conduz ao silêncio.
Na tarde em véspera de ocaso
um pássaro tenor sublima
a ópera do sol.
Nos jardins flores (em seus
discursos de pétalas)
mostram a rota da primavera
enquanto os ventos varrem
o pó das ruas e coagulam
os rastros da memória.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

PERENIDADE

Os mortos perscrutam o tempo
e os ossos continuarão caústicos e incolumes
no fundo da terra eivada de ácido e umidade
como vínculo indissoluvel
entre o homem e a eternidade.

sábado, 6 de novembro de 2010

NATUREZA VIVA


O velho vaso de flor sobre a mesa*
na cadeira de embalo auscultando
o tempo
meu avô urdi silêncios
enquanto na sala as mão calidas
de minha avó, ageis,
tecem a trama da vida
no seu tricô.
* o primeiro verso é de Nydia Bonetti.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

TALVEZ UM POEMA DE AMOR

Os olhos da noite
perpetuam os relevos
do teu corpo em têmpera,
no silêncio do alpendre.
Subito e inebriados
meus lábios em chamas
desaguam na arquitetura
lúbrica de tua boca.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

POEMA


A sombra do alpendre
(recesso de sonhos e memória)
permanece imponente e inalterado
fustigando os dragões do tempo
e acomodando os gomos do silêncio.

sábado, 30 de outubro de 2010

PEQUENO POEMA QUE VIROU CANÇÃO


Meus olhos captam o neon
dos letreiros das lojas de grife
a noite recolhe a soma
dos meus delírios
e o instante esculpe silêncios
no cerne das avenidas.
Há um passado ocultos nestas
ruas de vertigens e tédio
onde os ventos mornos
varrem a solidão dos jardins
esquecidos enquanto o tempo
coalha minha sombra no asfalto.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

SARGAÇOS

Navego em mar de sargaços
e espero a noite chegar
para descansar os rebanhos
de meus remorsos.
As badaladas do relógio
da Praça do Rosário
despertam os faunos
do meu silêncio,
impositivo o tempo desfolha
a rigidez de minhas vértebras
enquanto um vento impetuoso
sopra o pó de minhas têmporas.

domingo, 19 de setembro de 2010

IV ODE Á AMADA




Teu corpo nu á luz do quarto
exala odor de femêa no cio.
Habito teu corpo
(como a pérola a ostra)
e me sinto a cada instante
envenenado pela ternura
que vem dos teus seios
agressivamente poéticos
e me perco na enseada
do teu ventre ávido e morno.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

domingo, 12 de setembro de 2010

CANDIDAMENTE( para a poeta Lucy Gonczy)

Te quero assim, amor,
lampejos nos olhos claros
pejados de ternura infinda,
risos aflorados á boca
bordada de rouge
e candidamente linda.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A MORTE DE BURT LANCASTER


Levantou-se da cama como um autômato
quandos os primeiros raios solares
envolviam docemente Los Angeles
e os pássaros urbanos festejavam
a chegada do sol.
Ele chamou a sua mulher
beijou-a no rosto
e morreu.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

OS OLHOS DA PUTA


Os olhos da puta
são triste e verdes.
A maquiagem pesada
dá-lhe aspecto
de atriz do kabuki.
Como é despojada,
os seios pontiagudos
parecem querer
furar a seda
da camisola.
Retem entre suas
pernas um abísmo
de inspirações eróticas
ardendo como vulcão.
Os olhos da puta
são verdes e tristes
mesmo sorrindo
nos gozôs da noite veloz.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

EXERCÍCIOS


1
redescobrí minha infância
no carramanchão da Praça
do Rosário e no corrêgo Mindu
2
as patas dos bovinos, em manada,
abrindo sulcos na terra molhada
pelo chuvisco de outono
3
a reza contrita
á hora de dormir e o beijo
terno de minha mãe
4
as clareiras abertas
no ventre da mata
para o roçado do meu avô
5
meu pai colhendo
frutas sazonadas
no pomar de minha avó
6
o céu pegando fôgo
á hora do crepusculo
aves (em bandos)voltando
7
meu rosto enevelheceu
ao sabor das rugas
e minha vida encolheu.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

EPIGRAMA

Caminhada pela Champs Elysées
visita ao Arco do Triunfo
nas manhãs frias de Paris,
subida na Torre Eiffel
para ver os limites da cidade
degustar café num bistrô
no Boulevard Saint-Denis
em Montmartre,
passeio de Bateau Mouche
pelo velho Sena.
Estive duas vezes em Paris
jamais( nestes dois momentos)
esqueci o Bar do Armando
a Peixaria do Rógério
e o lanche do Mário
na minha pequenina Manaus.

( na foto o poeta e Judite em Paris)

TERRITÓRIO DA ANGÚSTIA


A vergasta do tempo
roçou meu rosto
o silêncio dos anos
entortou minhas
vértebras e o moinho
do cotidiano triturou
minhas ambições.
Entre eu e a rua
há um abísmo
de sonhos perdidos
onde pastam silentes
os abutres da cidade,
estou em escombros
e palmilho o território
da angústia.
Uma procissão de rugas
encardiu minha pele
fustigada pelos sóis
colhidos em dias de verão
caústico e aceso.
Coleciono depressões
despertam meu sono
em noites sem véspera
só espero( convicto)
o instante para o salto
no vórtice das incertezas.
Ainda estou calmo
mas a noite sem lua
cristaliza meu mêdo.

sábado, 4 de setembro de 2010

VII EXERCÍCIOS


I
me entrego
aos caprichos
da manhã
II
conto os pardais
bicando o chão
neste ar de verão
III
piso na grama
ainda molhada
do rócio
da madrugada
IV
olho para o alto
e vejo um sol branco
querendo queimar
meus pecados
V
meu hálito
na vidraça
me lembra
o fog de Londres
VI
minhas canções
meus uis
meus ais
meus haicais
VII
o foco dos teus olhos claros
parece atravessar meu corpo.
sinto a ardência de tuas mãos
gesticulando meu sexo.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

BULA DE POEMA

Este poema é indicado para quem sofre
de carência de amor, sensibilidade e ternura
sua composição contem gratidão paciência
sentimentos, perseverança e candura,
obs: não possui efeitos colaterais.
Posologia: duas leituras diarias
antes e depois das refeições
e quanto a super-dosagem de leituras
nenhuma reação adversa foi registrada
até o presente momento na literatura poética.
Se os sintomas persistirem
favor consultar um poeta.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO POÉTICO


Eu te queria viva e não morta para que teus poemas soltos
pudessem invadir ruas e avenidas e mostrar as elites
o enorme tumor social que carcome as vísceras
dos desválidos da vida e não da sorte,
eu te queria viva e não suicida para que teu discurso poético
fosse ouvido pelos que fabricam as dores do mundo
que tuas palavras as vêzes caústicas e as vêzes malditas
penetrassem nos tímpanos surdos dos governantes do dia e os despertassem
do sono letárgico que se encontram dormindo em berço esplendido,
finalmente te queria viva e intensa capaz de suavizar, com teus poemas
carregados de sentimentos, revolta e esperança, a vida dos que vivem
soterrados no lôdo e na merda das periférias abandonadas
comendo as raspas dos banquetes nababescos
dos bem-aventurados do capitalismo selvagem e do parasitísmo estatal.


( a memória da poeta Ana Cristina Cesar (foto) . Ana sucidou-se em 1983)

sábado, 28 de agosto de 2010

DOMINGO NA PRAIA DO FUTURO ( para poeta Betha Mendes)

O sol estende seu sudário
de fogo na praia branca
o mar na sua intermitência
vomita espumas e marolas
de antigas marés,
vago as brisas se acomodam
no colo dos coqueiros
deitadas nas areias,seminuas,
mulheres bonitas lavram
a escritura erótica da manhã.
.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O CAOS E A NÁUSEA




Sobre minhas palavras
os escombros do dia
um temporal indesejado
surpreende um pássaro
numa arvore desfolhada,
perto de mim o terminal
revela o caos urbano
e me causa náuseas.
Na longa avenida
a tarde aos pedaços
se rende aos caprichos
da noite que avança
pelas ruas geladas,
encosto-me a uma
pilastras da estação
e fico triste
perdi o último trem
para Pasárgada.

(dedicado a poeta Tânia Souza)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

ÍNTIMO MADRIGAL


a luz dos teus olhos claros me excita
viajo aos surbúbios do teu corpo
descubro lugares nunca antes
navegados. Absorvo o teu cheiro
de mulher amante no cio
osculo teus lábios capitosos
como um lôbo faminto,
sinto tua respiração arfar
( cicias palavras sem nexo)
e me perco no labirinto
voluptuoso do teu sexo.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

POEMA

Os passos de minhas sandálias
pisam os cílios do tempo.
Uma brisa acústica, em sôpro,
parece assobiar uma ária
de uma canção de outono
esquecida nos escombros
da memória e desperta
os duendes do meu silêncio.



( para o grande poeta cearense José Telles, autor de "Solo das Chuvas")

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

DOIS MOVIMENTOS PARA JUDITE

1

Antes, Judite, minha vida era opaca
simplismente vazia e sem opção
e quando chegaste numa manhã de agosto
trazendo no branco rosto
vestígios de luas e auroras
eu ardendo em verão
fui ao meu quintal de tempo
e sepultei minha solidão.

2
Na memória recordações
dos passeios noturnos
pelas margens do corrego Mindu
onde sentados contavámos
estrelas na imensidão azul
confessando pecados e juras
a uma lua maiúscula boiando
num céu de nuvens brancas
esgarçadas e céleres.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

ENGENHARIA & POÉTICA (para Nydia Bonetti)

poeta e engenheiro
aliados no mesmo
cálculo estrutural de rimas
e de colunas preenchidas
pela argamassa
da vida cotidiana
a régua traça as retas
e as curvas
o verso destila a forma
na construção
da palavra
o esquadro descobre
vãos e pilares
e a poesia descobre
agruras da vida
nua e crua
(sem disfarces)
flutuando nos andaimes
do tempo e dos espaços.

BALADA DA MENINA DE MINHA INFÂNCIA

A menina de minha infância
tinha os olhos claros de mar
e o sorriso abria-se como botão
de rosa sob o sol de março.
Quando era primavera eu
e a menina de minha infância
corríamos pelos campos
colhendo flores silvestres
para ornar o altar da igreja
do Rosário nas festas do divino,
aos domingos banhavamos
nas águas do corrégo Mindu
e fazíamos juras infantís
á sombra dos tamarindos.
Um dia tive que deixar minha
cidade e fui me despedir
da menina de minha infância
e a encontrei regando o jardim
da igreja do Rosário
olhei seus olhos e ela me olhou
e vi uma nesga de lagrima
descer do seu rosto de boneca.
Passei anos andando pelas
arestas estafantes do tempo
e um dia regressei a minha cidade,
coincidência ou não março
engravidava roseiras
e a sombra do outono apascentava
a sesta dos pássaros nos bosques
saturados de flores,
e reencontrei a menina
de minha infância
agora adulta e mais bonita
com seu vestido simples de chita
e a luz dos nossos olhos se fundiram
e ficamos ali (em pé )parados
acorrentados em silêncio
e ví que era a mesma figura
de minha infância com os mesmos
olhos, o mesmo sorriso
a mesma trança no cabelo
os mesmos lábios sedosos
a mesma fé
e menina de minha infância
hoje é minha mulher.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

VARIAÇÕES PARA A MULHER AMADA


1.


a maciez de tua pele
enrubesce meu rosto
e excita meus sentidos
e procuro na penumbra
deste quarto de vácuo
(entre latitudes e longitudes
amorosas)
as coordenadas exatas
para o vôo erótico.

2.
meu olhar se perde
nas curvas eróticas
do teu corpo morno
e em gestos prontos,
minhas mãos libidinam
a superfície rosea
dos teus seios maduros
a espera do instante orgásmico.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

POEMA


Teu corpo deitado na cama
(tepidamente nu )
parecia uma pintura de Degas,
pela fresta da janela
o sol de outono cobria
com fiapos de ouro teu corpo
e os teus olhos eram como
dois lagos mansos após a chuva.
As palavras caiam de tua boca
como semen ejaculados
e entre tuas pernas de Vênus
latejavam vulcões,
em extase minha voz
perdeu-se nos labirintos
da garganta e emudeceu
enquanto tuas mãos cálidas
e suadas bruniam meu sexo.

terça-feira, 6 de julho de 2010

POEMA PARA ROBERTO PIVA NO AZUL


Na mesa restos de poemas
palavras partidas ao meio
a solidão do instante seminal
refletida no alpendre da noite
o relógio parado na circunferência
do tempo ácido,
a voz embargada na garganta
e o poeta de olhos cerrados
salta sobre o dorso de seu cavalo
de brumas e cavalga sereno e imponente
em busca de infinitas manhãs
e a colher rosas olentes dos jardins
da gleba dos ausentes.

( o poeta Roberto Piva( foto) faleceu ontem em São Paulo)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

ARQUIPÉLAGO DO SILÊNCIO

Existe na casa de minha infância
ilhas de mudez e lembranças
(arquipélago do silêncio)
que me conduzem á lavoura da memória.
Revisito-a. Na sala de jantar ainda sinto
o cheiro doce de meu pai na oração
contrita á hora da ceia de Natal,
da solidão da cozinha vem o aroma
do café vesperal de minha mãe,
suspensos no ar dos quartos vazios
esqueletos de sonhos e saudades
me acenam,
e no velho quintal , ainda de pé,
imponente e viçoso o velho cajueiro
sobrevivente dos temporais da vida
ele que era a plataforma de lançamentos
de minhas viagens interplanetárias,
enquanto lá fora antigos fantasmas
do meu passado, embriagados de silêncio,
capinam sombras no alpendre.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

POESIA MARGINAL

POEMA


Rebanhos de pesadas nuvens
pastam apressadas no claro
céu de agosto.
Nós dois abraçados neste jardim
e minhas mãos sêcas de suor
libidinando teus roséos seios
no fogo intenso do verão.
E a luz é o sol
que penetra nas vias do corpo
caloriza os ossos
e revigora o libido.

domingo, 27 de junho de 2010

INTRODUÇÃO AO PASSADO( para o poeta Sandro Nine)

Na velha cadeira de embalo
o olhar fixado na parede
onde degastada se postava
a fotografia dos mortos,
olhou pela vidraça quase
embaçada e viu a tarde
caminhar para os mistérios
da noite vindo do rio,
e neste instante sentiu
a saudade doer-lhe nos ossos
e subitamente surgiu no pasto
da memória rebanhos
de antigos remorsos.

terça-feira, 15 de junho de 2010

TERRITÓRIO DA INSÔNIA

Os vestígios de tua ansiada presença
vão se dissipando lentamente no ar
deste quarto de solitude e vácuo,
apenas a tênue luz do abajur (que não é lilás)
ilumina tua já esmaecida fotografia pousada
na superficie encardida do criado-mudo.
No chão de memória da sala
restos de ilusões perdidas
se dispersam com o passar dos dias
e, eu, ( ser vertical e amargo)
vadeando o território da insônia
observo as horas gastarem as engrenagens
do tempo,
na inanimada circunferência do relógio
postado na velha parede de taipa.
Dissimulada a noite, em fuga,
não esperou para ver meus olhos
vermelhos e difusos pelo sal das lagrimas.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A FOTOGRAFIA

O olhar fixado na relva
viçosa e orvalhada
a alva pele banhada
pelo sol no préludio do dia,
e a moça bonita contando
pétalas de rosas no jardim
da clara manhã de verão
embala meus sonhos eróticos.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

CHUVA

A chuva intermitente molha
os cílios da tarde
e irriga a pele
das ruas da cidade.
Nas esquinas úmidas
e sujas de Santa Quitéria
mendigos em trapos
revelam na melancólia
dos olhos intumescidos
sinais graves de suas misérias.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

POESIA MARGINAL ( a poeta e o cão)

Sentada na varanda de tempo
num dia de sol á pino
com o olhar aguçado e esmiuçador
a poeta observa o instante construído
( o cão Bono vem deitar ao seu lado
e finge dormir).
a poeta ver a vida
criar e recriar o caos
as angústias numerais
e lançá-las sobre as ruas
da cidade asfixiada em gás
carbônico
a poeta excomunga
a letargia do trânsito
a anti-poesia grafitada
nos muros e fachadas
de casas e edifícios
a poeta vislumbra as esquinas
e lamenta a falta de comiseração
com os meninos sem futuro,
párias sociais que perambulam
pelos guetos urbanos
(enteados de uma pátria madrasta).
De repente o cão Bono, sem alarde,
salta sobre o colo da poeta
e neste instante poeta e cão
unidos,
humanizam a tarde
humanizam a vida
humanizam o mundo.

domingo, 9 de maio de 2010

LEGADO


Deixo meus sonhos inconclusos
na limpidez concreta dos teus olhos
de mar,
minhas agruras e desencantos existenciais
deposito no escaninho do tempo presente

( para posterior esquecimento)

e deixo, finalmente, meus desejos carnais
plantados na morna estepe do teu ventre.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

ESTUDO VESPERAL EM MARINHA

Estou nesta gótica janela de mundo
( esperando o claro acontecer de vácuos)
e fiz de seu parapeito meu periscópio
de onde lobrigo a letargia da tarde
descer os degraus do dia
e caminhar para o mistério do ocaso.
Olho a paisagem ao redor e alem:
observo o mar no seu discurso de ondas
impacientar insistentemente os recifes,
e em um céu de azul acetinado
histéricas andorinhas em vôos pandos
tatuam arabescos na pele do vento,
na linha do horizonte uma jangada solitária
perfila-se solene aos rigores do terral
enquanto uma gaivota em garras, frénetica,
bica a superficie das águas em vôo acrobático.
Vejo agora (resoluta) a noite lançar ancora
nas alvancentas areias da praia deserta
e assisto inebriando a dança das marés.

(Praia do Barro Preto, Ceará/maio/2010.)

terça-feira, 4 de maio de 2010

AS SETE LUAS ( para a poeta Lara Amaral)


Quando as sete luas passarem
e o tempo mostrar a rota da primavera
colherei flores no campo para te oferecer,
catarei fiapos de sol para amornar
minhas mãos em gestos de espera
e mostrarei o meu melhor sorriso
para ávido e ansioso te receber
no mesmo alpendre que um dia
te viu partir com chispas de luas nas mãos.
Não desespere,amiga e amor, espere um pouco mais
que toda essa angústia e agonia
vão acabar com o sôpro de tua chegada
pois sete luas passam rápidas demais.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

HOMENAGEM


Quero deste canto parabenizar o poeta Benny Franklin pelo prêmio de poesia recebido da Assembléia Paraense. Benny é um poeta ubertoso e que tem honrado, com seu brilho intelectual, ás letras Amazônicas. Alem de poeta da melhor cêpa, Benny é um homem integrado a defesa da integridade da selva amazônica. Amazônida como ele, quero deixar plasmado neste espaço o orgulho que tenho de tê-lo como irmão glebário. A Amazônia toda está festejando o prêmio merecidamente dado a este grande poeta. Que os deuses da floresta entoem suas inúbias em louvação a este grande irmão.
Fortaleza, Ce.

ÉROTICA

O equlibrista se realiza, afoito,
no dorso têso do arame
e o sexo só se consolida
com a eficácia do coito.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

POESIA MARGINAL (para poeta/cantante Ligía Saavedra)


FIM DE NOITE



meia-noite
a lua foi dormir
acesas ainda as ruas
cortejam desastres.
ao longe na rua dos inocentes
um bar encardido pelo tempo
( cheios de homens vazios)
um sax desafinado
tenta em vão solfejar
as notas de um canção popular.
o ar esfumaçado pelas brasas
dos cigarros
(paranifos de lentos suicídios)
e o cheiro de cerveja
e de bebidas baratas
saturam o ar do ambiente,
impassivel a noite
persegue a madrugada.

sábado, 24 de abril de 2010

POESIA MARGINAL


pássaro/eu


o vôo aerodinâmico sobre a copa das árvores reunidas
é necessário e belo de se ver
(mas a ansiedade do meu coração não é percebida)
apenas me atenho a amarrar meus sentimentos
na morna e bonançosa enseada do teu ventre
e esqueço minhas palpitações e lamentos
na mansidão dos teus seios após o banho.

terça-feira, 20 de abril de 2010

JERICOACOARA BLUES


A pedra furada furou o acetinado
da paisagem marinha onde o mar
na sua constante exasperação
conduz ( rebelde) milhares de conchas
sacudidas de espumas e sal
para plenamente ataviar a praia,
e um vento arisco atiça solene
as cabeleiras arenosas
de dunas e falésias enquanto o sol
da tarde de Jericoacoara desmaia.



(Jericoacoara-Ce,abril/2010)



sábado, 17 de abril de 2010

POESIA MARGINAL (para o poeta Ivan Bueno )


SINOPSE DE MIM

Meu corpo é minha casa
conduzo essa forma vertical
pelos labirintos da vida
( tolhida e agredida)
em busca dos minotauros
da inconsciência coletiva
que espicaçam o mundo
(mas nunca trocarei Cristo por Barrabas).
Minha casa é meu corpo
é preciso aduzí-lo
e apaziguá-lo
com as verdades divinas
para suportar as procelas
deste mar de sargaços humanos
( traições,vilanezas e decepções)
e poder assim evitar as náuseas
da caótica liturgia do cotidiano
perverso e amargo.
( mas nunca trocarei o amor pelo ódio).

quarta-feira, 14 de abril de 2010

POESIA MARGINAL( para Aldisio Filgueiras)


AULA DE POLÍTICA



Alunos a politica

é uma invenção

dos demônios

razão de Deus

andar distante

de nós esses

últimos tempos.


("um dois e três

aquele político

que tiver coragem

de se olhar no espelho

será aclamado rei")

CARNAVAL


No carnaval da vida

todos os foliões inebriados

na passarela dos teus lábios.

sábado, 10 de abril de 2010

CINCO TERCETOS PARA A POETA CARMEM PRESOTTO



I
Flores novas em sépalas
guardam o perfume da manhã
inebriante hálito de jardim.
II
Raios fugidios de sol
rompem o ar da tarde
e atiçam o anoitecer.
III
Uma procelária em garras
bica a superficie marinha
e prenuncia tempestade.
IV
A noite prescreve mistérios
ao desamparo das horas,
súbita a chuva onera o tempo.
V
A manhã outonal conduz o sol
em seu dorso virgem,
pássaros em canto saudam o dia.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

SAUDADES DE BARCELONA


Os olhos cobiçam o Mediterrâneo
o ar sereno da manhã da Catalunha
espalha-se por ruas e grandes vias
onde os olhos verdes e azuis
das imigrantes do leste europeu
catalisam ternamente os cintílos
de sol nas franjas das ramplas
da cidade enquanto a primavera
catalã continua a fabricar flores
ataviando de cor e aroma os jardins.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

CANTIGA PARA O POETA ADROALDO BAUER


A tarde envolve Porto Alegre
os raios lânguidos do sol
jorram fiapos de ouro nas cabeleiras
das árvores da Praça de Oswaldo Cruz,
lá para os lados da Rua da Praia
um vento frio vindo dos Andes
enrijece os ossos e transforma
a cidade poeticamente cinza
(Porto Alegre extasia no inverno).
O fim de tarde cobre os tecidos da cidade
(ruas, becos, praças e avenidas),
e eu caminho na Praça dos Açorianos
por entre os cílios de um chuvísco
que tenta molhar a aspereza das calçadas,
e neste instante a imaginação voeja
nas asas imortais do tempo
e os meus olhos parecem rever
o poeta Mario Quintana sentado
em uma poltrona do Hotel Majestic
tragando seu indefectivel cigarro
a lobrigar os estertores da tarde.
Por fim o sol de vez esmorece
e Porto Alegre calma e bela, anoitece.

terça-feira, 30 de março de 2010

POEMA EM SEDE DE SOLIDÃO


Na penumbra da sala de visitas
o pensamento perscruta
a psicologia do instante,
as palavras declinam
a caligrafia das sílabas
e preenchem o vácuo da memória
quando o tempo deslinda
o enigma das horas.
Esta casa já me viu em instantes lúcidos
(carregando risos largos)
hoje me vê sonâmbulo
vadeando pelas veias da casa
( corredores e quartos),
caminhando como automato.
(Ah, esta saudade nunca se rende!)
Lá fora a noite sem lua
sombreia o velho alpendre
e engole ávida a rua.


sexta-feira, 26 de março de 2010

SONETO


Eu quero a presença da primavera
com catedrais coloridas de rosas
o eflúvio e o sereno da antemanhã
para poder projetar meu soneto.

As lembranças tenras de minha infância,
as manhãs preclaras e trescalentes
e as tardes de verão do Boulevard
eu quero para compor meu soneto.

Quero os sábios conselhos de meu pai
os beijos róridos de minha mãe
para poder projetar meu soneto,

quero a casa onder nasci e minha rua
as ternas noites de ciranda e a lua
para compor versos deste soneto.

( este soneto faz parte do meu livro "No Silêncio das Horas", publicado nos anos 80, primeira fase de minha poesia)

quinta-feira, 25 de março de 2010

INSTÂNTANEO


O poeta no bate-papo no Café Amazonia na Saraiva Megastore do Shopping Manauara em Manaus, março 2010, livraria que virou um centro cultural muito ativo no cenário literário da cidade.

segunda-feira, 8 de março de 2010

DESPEDIDA


Neste instante de despedida
(em que as lembranças
afloram antes da partida)
teus olhos telúricos
são lavas ardentes
crestando, distraídas,
as células do meu coração
saudoso e plangente.

terça-feira, 2 de março de 2010

UM POEMA DE SANDRO NINE


TEMPO DE DESPEDIDA


Eu queria andar pela água
como aquele velho homem triste
que pagou pelos meus pecados
com dor e alguns trocados.
Paguei as promessas
e passei á noite amando você
mas abandonei os meus sonhos
e apaguei os meus rastros
mais rápido do que um trem.
Eu vou andar pela chuva ácida
procurando a mim mesmo
andar por milhas e milhas
seguir as setas e placas
até minha memória desaparecer.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

ÁRIA DE SOL



Inauguras a tarde
com teus olhos claros de mar.
Vestidas de sol tuas mãos
( em gestos mágicos)
regem a sinfonia dos ventos
que teimam em varrer a pele das ruas
e respingos solares desgarrados
engravidam tenras roseiras.
De repente uma chuva estival
desaba sobre a cidade
como querendo lavar-lhe os pecados,
enquanto solitária procuras
na intimidade do jardim
(entre flores molhadas)
fiapos de sol.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

CANTIGA QUASE ACALANTO


Quando a noite chegar lenta
e os cílios de prata da lua
penetrarem pelas janelas
e espantar as sombras
deste quarto pejado de solidão,
imaginarei estar contigo, amiga,
palminhando ás áreas suburbanas
do teu corpo incensado e trigueiro
ancorando minhas mãos ávidas
e tépidas no manso cais do teu ventre
e descansando meus lábios candentes
na enseada dos teus seios
sedosos e ternamente agressivos.
E antes que os lacraus do orvalho
anunciem a presença da madrugada
reiterarei ( convicto) o amor que sinto
por ti, doce e inebriante amada.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

PEDRAS DO CAMINHO


O poeta disse em luzidio poema
que juntava pedras do caminho
para um dia construir um castelo.

Pedras do caminho
eu as colho e guardo
para um dia atirá-las
nos rostos de politicos
indecentes.

EROTICA

Entre as tuas tenras coxas a erva da sedução narcotiza meus gestos abala meus sentidos e minhas mãos se perdem no labirinto terno e obscuro ...